quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Hipótese Gaia
- Um outro amanhã -

Que lendas existirão
quando a terra for gelo e fome
e nós, apenas antepassados?
Que memórias terão
os filhos dos filhos dos filhos?
Que histórias contarão
sob a luz do luar?

Quem irá lembrar
desse tempo distante?
De nós, quem irá lembrar?
Das florestas, dos rios, das cidades,
do Homem,
que fez da destruição seu par?

E a vingança de Gaia,
a Terra ultrajada,
com que metafísica ou ciência
tentarão explicar?

Cantarão versos sobre nós
quando formos só pedra e pó?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O Disfarce

Morrem as células, milhões a cada dia;
morrem os dias, quando o sol no oeste passa.
E, pouco a pouco, no silêncio e na agonia
morrem memórias da bonança e da desgraça.

Morrem os sonhos, os amores, a alegria,
nossa existência é coleção de mil carcaças.
Quando nascemos, nossa morte a parca fia
e logo o berço com a cova se entrelaça.

Todos os anos nós morremos, lentamente,
em corpo e espírito o vigor se faz ausente
e se aproxima de seu fim nossa jornada.

Se a cada passo nós rumamos para o abismo,
dizer "vivemos" é patético otimismo:
no fundo a vida é apenas morte disfarçada

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Peregrinos


Subo as ladeiras de Santa Teresa para ver A Fantástica Banda dos Cactos Dançantes. O show está marcado para as quatro. Como bom poeta que sou, chego no Largo do Curvelo às quatro e meia. Procuro pela banda e me dizem que o show é no Largo dos Guimarães. Paro em cada bar do caminho pra saber se vendem cigarros. Mas nunca tem o cigarro que eu quero. Então tomo uma dose de cachaça. Sou guiado pelo ritmo do batuque, pelos acordes dissonando no ar, pelos sorrisos deixados como rastro e pelos cães de rabo abanando. Chegando lá, não vejo A Fantástica Banda dos Cactos Dançantes. Descubro que o batuque está grudado nas pedras, os acordes nas paredes, os sorrisos nas pessoas, e o que eu seguia é tudo memória. Vejo numa varanda o vulto do palhaço Fugaz. O palhaço Fugaz é aquele que sempre introduz os shows d’ A Fantástica Banda dos Cactos Dançantes. Paro no Bar do Mineiro. Mas não tem o cigarro que eu quero. Peço uma cachaça. Ouço uma bela moça dizer que os minutos em que A Fantástica Banda dos Cactos Dançantes passou por ali foram os melhores da sua vida. Pergunto que rumo tomaram e ela responde que seguiram para o antigo Bar do Gomes, que agora virou Armazém São Thiago.  E vou a pé pelos paralelepípedos perguntando às pessoas onde posso conseguir cigarros. No Bar do Gomes, que agora virou Armazém São Thiago, também não vejo a banda. Nem o cigarro que eu quero. Então peço uma cachaça. Um louco me explica que já faz mais de um milênio que A Fantástica Banda dos Cactos Dançantes passou por ali. E que devo andar até o final dos trilhos do bonde para achá-la, como um pote de ouro no fim do arco-íris. Vou pelo arco-íris e tenho a impressão de ver o palhaço Fugaz passando apressado pela rua, tento segui-lo, mas ele some. O palhaço Fugaz sempre introduz os shows d’A Fantástica Banda dos Cactos Dançantes.  Volto a andar pelos trilhos do arco-íris e, quando me dou conta, estou de volta ao Largo dos Guimarães.  Mas não vejo a moça bonita. Nem a banda. Passo no Bar Simplesmente pra tomar uma cachaça. Mas não tem o cigarro que eu quero. Ouço o batuque na memória do Largo e o sorriso das pessoas nas paredes e os acordes ressoando pelos rabos dos cachorros que se abanam. Alguém me diz que A Fantástica Banda dos Cactos Dançantes está na Rua Ocidental. Outro, que está na Rua do Oriente. Um terceiro, que tinham desistido de Santa Teresa e levado sua lírica pra algum lugar da Lapa. Ouço a risada do palhaço Fugaz. Mas o Fugaz sempre foge de mim. Não sei onde está A Fantástica Banda dos Cactos Dançantes. Não sei nem onde eu estou. Só sei que subo ladeiras. Sempre.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Primavera Árabe

Nosso berço balança                                                                                                           
nas ondas da Revolução.
Que as areias devorem
os cadáveres dos mercenários
e as preces sejam armas
na luta contra os tiranos.
Que  as fronteiras se dissolvam
numa afronta aos hipócritas
e as pirâmides testemunhem
o nascer de uma Era.
Que o grito dos mártires ecoe
por Rabat, Trípoli, Mascate.
E o siroco receba um nome novo:
Liberdade.

sábado, 25 de junho de 2011

Um poema antigo que continua atual (infelizmente)

Plantação

                                  
O agricultor matou a fome com um naco de terra
e protegeu-se do frio com um cobertor de vermes.
Não tinha terra; agora, ele era a terra.
E, no buraco que a espingarda cavou em seu peito,
fincaram-se as raízes da miséria e do desespero.

Seu sangue, ainda quente, irrigou a lavoura
e fez brotar flores raquíticas
de frutos que não matam a fome.
Sua carne, mesmo que pouca, adubou as plantas
e deu-lhes a palidez mórbida
do triste fim de seu cultivo.

Novos agricultores vão chegando
para também fincar raízes naquele latifúndio.
Novos agricultores vão chegando
para saciar a mesma fome de terra.
Novos agricultores vão chegando;
são iguais na busca e também no destino
de cair sempre nas garras da mesma fera.

E, a cada novo estampido de tiro,
vê-se mais uma semente
na plantação de homens.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Soneto da devassidão
                                                                                                                                               
Enquanto a noite vai chegando ao apogeu,
em teus lençóis os meus pudores eu afasto
e sigo em busca do deleite nada casto
que só teu corpo pode dar ao corpo meu.

Na tua cama sou amante, fera, deus!
E penso, enquanto em tua carne faço pasto:
“Nenhum dinheiro, certamente, é melhor gasto
que o empregado nos fingidos gozos teus.”

Mas se o tesão ao fim da transa ainda me engana,
chegando mesmo a disfarçar-se de ternura,
prometo, sou capaz até de uma loucura:

antes que tenhas posto a roupa e pego a grana,
eu te direi, com meu orgulho de poeta:
- Fiz um soneto à minha puta predileta!